SILÊNCIO

(à um poeta suicida)

No dia da minha morte eu fui Narciso.

Se era o mundo um buraco negro

eu quis ser um buraco fundo.

E fui pro_fun_do . . . .

Naquele dia analisei as mazelas do mundo,

as náuseas, as crateras, e as criaturas,

suas chagas, o mal cheiro delas.

Me vomitei mil pedaços de carne podre,

verme famélico de mim mesmo,

me apodrecendo e me superando

na morte que encenei . . . morria.

Ah! vã filosofia,

mistérios ainda escondidos sob o Sol.

Nietzsche, construindo o imundo caos,

Schopenhauer mostrando o advir nefando.

Surrealistas visões de mim, ...

se eu fosse mundo ...

Mas eu tinha ainda na retina a lembrança-imagem

do ser perfeito que águas paradas refletiram um dia;

e o mundo foi perfeição a partir de então.

Ah! ventos aziagos que sopraram e ainda sopram;

e criam ondas que entortam o espaço

e naquele lago amarrotam minha face mundo

ao mesmo tempo !!!...

Ah!. . espelho, espelho meu.....

Tem o mundo uma outra cara que não seja eu?

Estou cansado, sou só vazio,

e já não tenho outro itinerário.

Quero, cínico, para mim as honras

de um perfeito serviço literário

no dia do meu funerário desvario.

E assim morri,

morri aos poucos mais uma morte minha.

como outras tantas que já morrera um dia,

e outras tantas que morrerei até.

E entre as mortes,

sucessivas mortes que sempre morro em mim,

quero arrastar junto ... e aí o meu desespero ...

mulheres belas, e meus companheiros,

para a imundície dos sanitários.

Lençóis floridos, perfumados, limpos, para que?...

só gosto de mim e me detesto mundo.

Mas na minha infância e não importa a idade,

sou só a vaidade daquela perfeição

que abstraí de mim.

Ácido muriático sobre as pessoas,

desinfetantes para que fiquem boas.

O mundo está doente e a culpa é delas.

Sou só fanático.

Ah!, amigo poeta,

para mim eu não quero uma morte assim.

Quero em vida ter a coragem de ser

o eu imperfeito na minha individualidade crua,

ter a mulher nua no lençol florido,

o amigo sincero com o seu sorriso franco

porque sei que ele também,

como eu também assim,

vive as dores dele que já não são pequenas

e as dores do mundo, dores sem fim

Eu quero morrer chegada a vida ao fim,

a morte enquanto barulho é vida,

é luta de quem não quer morrer ainda.

Quero morrer em paz, sem dizer nada,

elefante que tomba, vela que apaga.

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

uma morte silêncio . . . e fim.