MORNO

Uma cova não caberá essa carcaça,

Já podre desses infortúnios de vida.

Mas valeria aos urubus essa sobra

Que em vida foi morto.

Punhais, pra te!

Cegos foram teus dias,

Tuas crenças foram caducas,

Tuas vestes; mortalhas,

Serve a tantos homens!

Mas tuas palavras, quem diria!

Estão vivas, estampadas.

Nas camisas manchadas de tempo.

Relâmpago de um tempo.

Onde cegos também fomos,

Cegas eis...

Carcaça!

Cega fosse...

Cegas... Cegas... Cegas!

Até o fim,

Ainda que teus olhos iludam-nos!

Cega eis.

Agora vejo, miséria...

Este morno!

Que veio em signo,

Cria de tuas palavras,

Lama...

Lodo...

Espinha do mesmo torso!

Cal que não cobrirá vossos rostos!

Lodo,

Lama,

Escama,

Nosso corpo!

Carcaça...

Morto.

Que bem,

Já consumado.

Está carcaça que em vida foi morto,

Gozará dos outros

O que não pode gozar!