A dança do destino

E a porta continua entreaberta.

Mesmo depois de secar os olhos,

a sentença que ela menos queria

era ficar sujeita ao frio do tempo.

O gelado da espinha, o sinuar criogênico

que entrava pela fresta esquecida.

Eu disse que era preciso fechá-la.

As chaves coloridas foram trancadas num baú,

a madeira maciça que o revestia

fazia chorar, chorar só pra sentir o gosto do sal,

só pra sentir gosto de alguma coisa.

Desde muito não sentia gosto, só sentia frio.

Eu sempre disse que era melhor tê-la fechado.

As pessoas passavam gritando do lado de fora.

A porta continuava entreaberta,

ela continuava sentindo frio,

as pessoas passando, passando, dizendo absurdos em voz alta...

Ela continuava calada, os olhos pálidos, ouvindo o batimento surdo.

O espaço da porta permitia que ela visse o outro lado

mas a deixava presa dentro do seu próprio vácuo,

fazia ela admirar o todo o caos envidraçado do exterior,

fazia ela sentir o coração apertado de ver tanta injustiça.

Eu garanti a ela que era melhor ter fechado a porta.

E dia após dia,

frio após frio,

ela ouviu calada,

sofreu caída no esquecimento.

Arfou, respirou o mesmo ar, cedeu luz à própria sombra.

E tomou o escuro pra si...

Viveu mergulhada num sempre feito espaços desocupados

e mobília gasta.

Antes ela tivesse fechado a porta,

antes tivesse buscado as chaves no baú,

antes tivesse usado a luz que lhe restava para acender sua esperança.

Antes eu tivesse ignorado seus pedidos

e fechado a porta sobre os soluços de antes.

Antes tê-la trancado num universo particular

do que tê-la libertado num infinito de acasos.

Nem todo mundo é feito de aleatoriedade,

mas qualquer um sucumbe a falta de alternância.

Ela não se foi por falta de caminhos,

ela se foi por não tirar o destino pra dançar.

Fernando Cesar
Enviado por Fernando Cesar em 20/01/2013
Código do texto: T4095545
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