Travessia

No chão de terra dura e batida

uma menina

sentada de cócoras olha

- olha -

a água que escorre entre as pernas da ferida.

No chão de terra pua e exaurida

uma cerca

aramada há tempos prende

- prende -

a água que queima sobre o corpo da esquecida.

No chão de terra crua e maldita

uma mulher

em joelhos de barro caminha

- caminha -

na água que sai dos olhos da rendida.

No chão de terra nua e bandida

um abraço

em silêncio de vento e de mato rasga

- rasga -

a água que empoça na voz da cativa.

Descalça.

Cortada ferida de arame

cicatriza a alma.

No chão de terra pura e bendita

uma vadia

em passos de pó e mentira vaga

- vaga -

sob a água que evapora

condensa

e arrasta

a mesma menina

(para o arame e para casa).