ASSALTO NÃO CONSUMADO
--Um pão ou uma moedinha – o adolescente pediu,
acrescentando: não comi ontem e hoje também não.
Comprei uma “marmita” e lhe entreguei na mão
--Muito obrigado, doutor, está excelente – admitiu.
À medida que ia comendo, e o fazia por compulsão,
dizia: -- a fome, doutor, faz a gente pensar besteira.
Muitas coisas passaram pela minha cabeça, asneira,
mas Deus é bom e sendo bom ele dá a solução.
--Minha mãe é trabalhadeira, doutor, meu pai também,
mas o que ganham, para sete pessoas, não é suficiente.
Mamãe, papai, mais cinco filhos e uma tia, é muita gente,
sendo que três filhos são crianças, mas tudo bem, amém.
--Não é fácil sobreviver decentemente neste país,
especialmente para um jovem negro e pobre como eu.
A sociedade é dadivosa, mas está cansada, entendeu,
e os mais revoltados, batem as portas no meu nariz.
--Vou suportar enquanto puder, pois quero sobreviver,
é um direito meu, mas sem palmilhar pela ilegalidade.
Entretanto, se por razões superiores houver inviabilidade,
neste momento, neste exato momento, não sei o que dizer.
Acabou de comer, levantou-se da calçada onde sentara,
deu algumas batidas na barriga, estendeu-me a mão,
agradeceu mais uma vez e disse: -- meu nome é Sansão
e se precisar de mim qualquer situação a gente encara.
Passados uns quatro anos, eu ia para minha residência,
a pé, à noite, quando, em dado momento, um jovem rapaz
aponta-me um revólver e diz compassadamente: sou capaz
de atirar, coisa que faço sem piscar os olhos, excelência.
Já tirava o relógio para o jovem assaltante entregar,
quando detrás de um poste sai uma figura, era o Sansão,
que, com voz forte, gritara abaixe a arma, esse é meu irmão.
Pôs um braço sobre os meus ombros e passamos a caminhar.
No portão da minha residência Sansão desculpas me pediu,
abraçou-me carinhosamente e sussurrou no meu ouvido:
--não deu, meu irmão, não deu, embora eu tenha querido.
O doutor sabe a que eu me refiro, fez um gesto e se evadiu