Já não canto o Canto que me canta ...

Já não canto o Canto que me canta

nem sequer o grito que sufoco na garganta,

que perdi de mim geométricas fronteiras.

Nem sequer os sentidos me pertencem mais.

Não sinto dores. Não solto ais.

Canto o ruído das horas imperfeitas

O zumbido de obreiras abelhas, o cantar líquido

das estrídulas cigarras,

no restolho findo de searas imortais.

O gemido do rio comprimido nas margens

As doçuras amargas dos relâmpagos e trovoadas

O silêncio dos acordes dos galhos erguidos

açoitando os próprios vendavais.

O ondular das canas no oiro dos milharais

No espelho vermelho das águas, Duendes,

Magos, Druidas e Fadas...

Sou ave, água, árvore, esguia sombra de Lua...

Canto órfão, a Natureza inteira, na agitação

da dança Cósmica, orgânica e secreta.

Vogo em torno do fuso obtuso do Planeta.

Canto-a em cada fustigada silaba com que desenho

a ponto fino, os contornos dum mar de poesia.

Nómada, sigo sem tino, na pueril ousadia de,

neste caminho, me dar nua - que dispo a Alma -,

e nada sendo, ser apenas, andarilha, vate ou saltimbanca.

E assim no mimetismo, mulher, vegetal ou animal,

sou jogral, canto na rua!

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 15/03/2007
Reeditado em 16/03/2007
Código do texto: T413445
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.