Mascarada tal judia às portas de Babilónia

No crivo aberto, tacteado a preto e branco na claridade

fragmentada da manhã, diminuem-se os cheiros apregoados

do Abril dos Cravos e das Buganvílias do Jardim.

Filtrada nas persianas semi-fechadas, a luz escorre

agora. Alva, tal leite derramado na noite que chora.

Olho as pregas enrugadas do meu corpo e sinto,

que não me habito mais. Que na matriz do vento,

a pele que me comprimia o sangue e a carne se esbateu.

Viajou perpetuada na voz veloz do silêncio.

A pele, essa, está agora sentada numa cadeira

desencaixada para lá da amargurada noite

e da elementar nascente de todas as fontes.

Fragmentada, num tempo onde reside um argumento

secreto de uma sépia película obliquada e sem sentido.

De um tempo não vivido. Distância entre o agora e o infinito.

Vejo-a mascarada tal judia às portas de Babilónia.

Ecoa em sinfonia estridente de serras, pinças,

martelos pneumáticos e mil demais instrumentos,

no incessante batuque das oficinas dos caldeireiros.

Nas narinas, agora, todos os bálsamos e cheiros ...

Os passos, os meus passos nos corredores ...

Os fumos da Oficina dos metálicos odores

A decapagem cáustica na profunda tina

dos mil tubos para as turbinas das centrais ...

E depois o abrasador calor do forno da fundição

E o cheiro acre e ardente das brocas mornas

com que os serralheiros esventram o ventre

do ferro mais quente... limas, limões, tornos,

serras eléctricas, bigornas ...

Tudo se agita no murmúrio da agonia,

trazendo à luz do dia o passado e o presente.

E andando com o filme de trás para a frente,

vejo nele uma mulher-menina, uma quase adolescente

a enfrentar, de cabeça erguida, a Vida ...

Esta que anda agora aqui sem ter rumo e sem destino,

no mais louco desatino ...

perdida dentro de si, na citadina Avenida.

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 16/03/2007
Reeditado em 16/03/2007
Código do texto: T414468
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