SÚPLICA

Tirem-nos tudo,

Mas deixem-nos a música!

Tirem-nos a terra em que nascemos,

Onde crescemos

E onde descobrimos pela primeira vez

que o mundo é assim:

um tabuleiro de xadrez…

tirem-nos a luz do sol que os aquece,

a lua lírica do shingombela

nas noites mulatas

da selva moçambicana

(essa lua que nos semeou no coração

a poesia que encontramos na vida)

tirem-nos a palhota – humilde cubata

onde vivemos e amamos,

tirem-nos a machamba que nos dá o pão,

tirem-nos o calor do lume

(que nos é quase tudo)

– mas não nos tirem a música!

Podem desterrar-nos,

Levar-nos

Para longes terras,

Vender-nos como mercadoria,

Acorrentar-nos

À terra, do sol à lua e da lua ao sol,

– mas seremos sempre livres

se nos deixarem a música!

Que onde estiver nossa canção,

Mesmo escravos, senhores seremos;

E mesmo mortos viveremos.

E no nosso lamento escravo

Estará a terra onde nascemos,

A luz do nosso sol,

A lua dos shingombelas,

O calor do lume,

A palhota onde vivemos,

A machamba que os dá o pão!

E tudo será novamente nosso,

Ainda que de cadeia nos pés

E azorrague no dorso…

E o nosso queixume

Será uma libertação

Derramada em nosso canto!

– por isso pedimos,

de joelhos pedimos:

tirem-nos tudo…

mas não nos tirem a vida,

não nos levem a musica!

Noémia de Sousa

(Poeta Moçambicana)

NOÉMIA DE SOUSA
Enviado por CEMD em 01/03/2013
Reeditado em 11/03/2013
Código do texto: T4165866
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