Sepulcro

Descobri que sou bem mais do que consegui ser.

Mesmo tentando combater qualquer lado obscuro,

ou mesmo me ausentando da escuridão por certas partes,

não desdenhei do simples fato de existirem provas da minha existência.

Não queria provar pra ninguém que existo.

Eu mesmo sei que nada que cabe a mim

ficará vagando inimputável por entre as rugas da humanidade,

mas não consigo passar por entre os dias

sem me fazer presente por minha própria essência.

E minha essência, assim como a de qualquer outro

emana por onde eu crio meu próprio nicho,

meu traço repleto de sobressaltos,

sinuosos por definição, ricos em demagogia

e escassos de verossimilhança.

Mas não é a mim que recobre o peso de ser real.

Nem a ninguém que não o deseje.

Só me vale correr atrás de um pé de vento qualquer,

ou me fazer esconder por trás de meu legado

insignificantemente majestoso.

E o que me resta depois de sempre me achar entre hiatos?

Só me sobra certeza de coisa nenhuma,

a rigidez de um muro indivisível feito de olhares.

Olhares que nem eu mesmo consigo compreender.

Nem devo, nem preciso. Mas ainda assim o faço.

É engraçada a construção das perspectivas próprias,

cheio de ruínas, uma seleção de vazios espaçados.

Tudo acaba sendo uma acrobacia solo,

uma apresentação monofônica, quase surda,

onde só ecoa a minha voz.

Sozinha.

A única frequência cabível.

Enquanto eu busco a flexibilidade,

as coisas aqui estão fora de ordem.

Um quadro repleto de sentido,

mas vazio de palavras.

Não sei me faltam dias no tempo atual

ou se me falta tempo nesses dias.

Na verdade, não sei se tempo são dias

ou se são os momentos atuais.

No fundo, acho que não existe um eu nesse tempo.

Sobraria então só meu próprio reflexo,

uma ressonância espectral do meu maior ato de serenidade,

uma figura embaçada,

um fantasma atemporal de uma alma viva.

Um corpo, envólucro. Quem sabe até morto.

Um morto pulsante.

Morte de fora pra dentro.

O fim ideológico dos meu caráter mal formado.

Ou o simples fim. Sem significado literal, nem conotação.

O fim forjado pelos meus próprios tempos.

Fernando Cesar
Enviado por Fernando Cesar em 05/03/2013
Reeditado em 05/03/2013
Código do texto: T4173379
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.