A poesia fermenta

Antes de todas as coisas, lá mais atrás,

na confusão elementar, caldeirão fervilhante,

amálgama de todos as partes,

antes de se formar sequer, convexo, o Mundo,

esporámos benignidades em verborreias de palavras

inúteis. Contristámos o momento mágico no vácuo.

Despertámos meninos estouvados,

impunemente, aquele estado de Alma

a que chamo soledade, desvio, misantropia.

Emergimos escassamente por dentro de silabas

espumadas de poemas. Baldios. Farpados.

Carência de ternuras. Nudez de afagos.

**

Procuro em Babel a mestra chave, no Monte da Lua,

a Lua Nova, a Lua Cheia - um fim nesta logorreia.

Percorro o beiral do abismo, que agora

em silêncio, quero celebrar apenas o mutismo.

De costas na concha do Mar, fito-me no firmamento.

No propósito de estancar o sangramento.

Lá longe, no Infinito, rebusco um lugar

em que o descanso aquartelado me chame

ao recolher. Na melancolia original, na clausura.

Na soledade sem mácula.

Que no abismo profundo, em que a Alma se acorrenta

procuro a étimo do Vento dentro do sémen fecundo

de ser seiva e sentimento.

Junto-lhe o óvulo-fermento de poesia,

e por instantânea magia, logo, logo um novo corpo

de mim emerge e se amamenta.

A poesia fermenta!!!

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 19/03/2007
Reeditado em 19/03/2007
Código do texto: T417873
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