CORTE DE CORRENTE
a morte de um irmão mais novo
é uma marca negra
com uma densidade infinita
a morte de dois irmãos mais novos
faz o escuro total e a partir daí não há
mais dias de sol
pode haver de vez em quando
um raio de luz
mas o cinzento tomou conta de tudo
a marca negra que em nós fica
não tem solvente
quando era novo
imaginava que podia perder meu pai
o que nas savanas garantia
fogo aceso – vida leve
a milhares de quilómetros
perder a mãe nessa altura
era tão improvável
como um terramoto
mas eles existem
já maduro mudam as ideias
aceitamos a ordem
da vida que nos consome
e assistimos
à partida dos velhos
de olhos molhados
mas de pé
os acidentes levam-nos amigos
e são luzes que se apagam
na gambiarra dos afectos
mas a morte de uma irmã mais nova
a morte de um irmão mais novo
é um corte de corrente
é um natal sem presépio
é o termos o corpo em pé
e a alma de joelhos
é o não termos lágrimas
porque tudo em nós
se desligou
Carlos Peres Feio
(Poeta Português)