Xadrez

Do alto desta torre, de onde se vêem

seres cansados, divididos,

cambaleando sem olhar para trás,

cinco séculos nos contemplam.

Mesclam seu poder de esquecimento

ao trote compassado dos cavalos,

zombam da mesmice hipnótica

dos peões alinhados em cubículos.

Do alto desta fortaleza,

(e é forte quem não se arrisca),

reis e rainhas reinam

sobre alegóricos carros.

E não há bispos suficientes

nem diagonais que bastem

para atravessar seu poder já consumado.

Rainhas e reis, os donos do mundo

e seus leais carnavalescos de plantão.

Preto e branco, riqueza e miséria,

o poder e o anonimato.

Segue a dualidade sob um belíssimo céu,

marchando sobre a areia de deslumbrantes praias

num jogo de cartas marcadas:

o vencedor é sempre o mesmo,

e seu discurso, imutável.

"Venda a alma por uma vitória;

pelo poder, avilte-se;

por um cheque, mate."

(Todos no jogo,

ninguém no xadrez.)