ALGARAVIA

o que se sabe de mim

é que roubo palavras ao vento

roubo horas ao tempo

e imagens à película:

sou um ladrão de cutículas

redentor de movimentos

coleciono momentos

em pequeninas partículas;

assalto estórias perdidas

e o que não sei, invento —

quixote e moinhos de vento

habitam-me alternados

caminheiro de atalhos

ignoro as desditas

e é o que basta dizer:

que componho versos sem métrica

e desconheço estilos

falo do que não entendo

e calo o que não consinto

aborreço o meu dia

e alimento a gaveta

de papéis escrevinhados

de outra tanta algaravia

que nos despe de encantos

e reclama melodia

noutro tempo, outro canto

e outro tanto se cria

ao falar velhas palavras

tédio... é meio-dia

quando os ponteiros se encontram

e príncipes desencantam

de coaxos já cansados

por beijos de lindas donzelas

... mas isto é já outro caso

(também de amor, mas sonhado)

que não nos compete falar

tédio... é meia-noite

e lobisomens se encantam

de uivos agoniados

por pragas e maldições;

a lua vai se deitar

em leitos de outros ladrões