DOIS SABIÁS

I

Ouviu-se um sabiá no beiral

cantando alto lá no fundo

quem ouviu pensou

em uma alegria inexplicável

Inventou para o sabiá

uma paixão fugaz pela manhã

invejou seu sopro afinadinho

porque nenhum homem nasceu com

trompete na boca ou flauta nos dedos

E

esperando que o sabiá nunca parasse

de cantar

seus olhinhos circularam através da janela

enquanto o danado tentava entender porque

duas crianças se pentando assobiavam sem parar

II

Bem cedinho um sabiá

Se olha no reflexo de um riacho

e mede as penas e os contornos

Não sabe somar, sobrepor ou pentear

Sabe que as pedrinhas do riacho

aquelas pedrinhas sob seu reflexo

se parecem com ovos avermelhados

Mas ele logo ele

que desceu uns bons galhos

pra se lavar esqueceu-se dos ovos

que tinha deixado pra chocar

Então ele logo ele

que não sabe a composição de uma pedra

mete o bico dentro d'água

E no susto, volta a tomar banho

Logo depois de virar a cabeça duas vezes

percebe que a água é uma coisa leitosa

E debaixo dela ve umas coisas arredondadas

que na verdade são frutinhas bem vermelhas

E ele logo ele

Que nem sabe se já comeu

mete o bico dentro d'água de novo

E no susto, dá vontade de tomar banho

Mas toda vez que mergulha

Ele justo ele

Sente a agua amaciando o bico

Respingando nas penas

e sem saber distinguir um reflexo

ou uma pedra

Canta uma musiquinha

pra ter certeza que não está louco