ADÁGIO
pelas teclas fogem-me os dedos
ao compasso clássico
do Adágio
misturo palavras, melodias,
fragmentos de plágio...
ruídos, ecos, sentimentos...
e ficam sempre incompletas
as sinfonias...
nos meus medos
os segredos das palavras,
os segredos dos poetas,
nunca passam pelas mãos,
por muitas teclas
que toquem,
surgem na cabeça,
ressoam roucas no abdómen
às vezes - como loucas -
saltam da garganta,
correm, pulam, dançam...
estúpidas param,
no céu de muitas bocas
e, entupidas, desabafam,
como os pais,
doidas de esperança,
os sonhos todos
de criança,
nos húmidos lodos
de todos os portos
de todas as docas...
pelas teclas passam
as sombras dos segredos...
pelos dedos sobram
restos, mitos, medos...
pedaços desfeitos
de sonhos inacabados...
imperfeitos...
rasgam-se os raios da manhã
despidos já de lua
cravo os dentes na maçã
carentes dos beijos
que não deste...
revejo-te ainda nua...
e mato de vez
os teus lúbricos desejos
e nunca
nunca mais
eu beijarei a tua rua...
Sem teclas
Para quê os dedos?
ressoa
Direitos reservados João Moutinho Sócio da SPA - Sociedade Portuguesa de Autores