INTRANSCRITÍVEL

há tempo a poesia se esvaziou (em mim)

como ferramenta de expressão.

o que poeto

nem a duras penas transparece

algo de coração.

eu, que sinto, minto ao escrever.

minto a, assim, dizer:

entre o que sinto e escrevo

o tempo é hábil

pra eu não esquecer...

como que poetizar fosse me transcrever.

não. ilusão clara.

poesia é invenção...

rara a palavra que sai do meu espírito

direto pra tela, pro papel.

eu não sinto em palavras,

nem em fonemas, nem em letras!

o que sinto é intranscritível

(sequer gravável, quiçá grafável).

e, parceira, essa sensação horrível...

a de sentimento apoético,

apático, a-artístico, apoplético.

cético meu lápis, meu teclado,

rebela-se contra o

"mentir o que deveras sente".

ser-se (ser-me) é uma prisão sem fim...

como eu ninguém me sentirá igual a mim.

por mais que eu fale,

por mais que diga,

tudo que aclaro quando expresso e calo,

tem algo de escrita extinta,

antiga,

desconhecida por todos os forasteiros

alienígenas da minha província.