QUE VIDA EXISTE?

QUE VIDA EXISTE?

A esperança desaba,

a espera tem fim,

tudo está perdido enfim.

Feito Orfeu, sem arco e sem lira,

lamenta pelos quartos sem cantos.

Ora junto a Serafins.

Exílio, martírio: o corte abrupto,

e soam os gemidos aos confins.

Nada se iguala a essa dor,

é mundo sem cor, sem sabor, sem calor,

sem amor, somente a dor;

no leito padece em sobrevida,

mal vivida vida...

E a ausência do ente entrementes,

paixão cerebral, paixão animal,

o mal venceu,

o mal sucedido se fez,

a data que mata e tudo se desfez.

E respira, aspira, inspira...

Ó Afrodite, que as rosas engrinaldam! Deusa cruel,

tecelã de mitos, fez do mel puro fel:

“Sem a Afrodite de ouro,

que vida existe e que doçura?”

O ressentimento da paixão,

a ausência da cítara,

a morte em mira,

a morte em vida.

Ó Orfeu!

Agora a desmedida,

medida por medida,

a desdita;

Eurídice

nem lhe disse adeus.

A realidade se desprega da pele

e a alma levita; não mais aflita...

A imensidão da dor

é o dedo na ferida,

é o dia que castiga,

é a noite que se eterniza,

é a aurora que principia

lá no fim do horizonte sem ontem:

diz por dizer,

faz por fazer,

sorri por sorrir,

entristece por entristecer,

tece por tecer,

escreve por escrever,

vive por viver...

Em busca do sentido das coisas,

tudo em vão, só solidão.

O detido na memória,

o que chorou por chorar,

o que resistiu por resistir,

o que insistiu por insistir,

o que não aspira por mais nada

e nada em correntezas profundas,

num mundo mudo, silente,

dormente.

Prof. Dr. Sílvio Medeiros

Campinas, é outono de 2007.