ALMA CANSADA

Você vê aquela casa,

Lá na colina assentada?

Pois lá mora uma velha

Pobre, doente e cansada...

Houve época bem dourada,

Em que sorrindo ela vivia.

Sua casa tinha flores

E por nada ela temia...

Tinha forças, tinha amor...

Tinha até uma filhinha...

Sua vida era feliz,

Tinha sonhos a mocinha...

Todo dia, bem cedinho,

Acordava até cantando.

Tinha pele bem rosada,

Que o sol ia queimando...

O inverno não existia

Para ela na colina.

Tudo flores, primavera...

Todo dia na matina...

Isso anos, após anos,

Mas ela não pressentia...

Para quem vive amando,

Dia e noite é o mesmo dia.

Para cada sol poente,

Sua vida diminuía,

Mas ela feliz, contente...

Nada disso percebia...

Certa tarde, um acidente

Fatal, cruel, desumano...

Levou tudo o que ela tinha,

Lhe deixando um desengano...

Nunca mais ela sorriu,

Nunca mais amou na vida...

De tão triste adoeceu,

Esperando a sua "ida"...

Hoje, quem passa por lá

Vê a casa abandonada...

Teme em se aproximar,

Julgando-a mal assombrada...

Se um dia você vir

Esta velha pobrezinha,

Tenha um pouco de piedade,

Trate bem dessa velhinha...

Se um dia ela viveu,

Como todos nós vivemos...

Não podemos, pois, supor

Que igual acabaremos?

Que nos custa uma palavra,

Uma atenção, um carinho?

Para ela vale tanto,

Para nós é tão pouquinho...

Mas se o contrário quiser,

Isto é, aborrecê-la...

Por favor, não se aproxime,

Não procure ofendê-la.

De tudo ela já viu,

Teve tanto desengano...

Mas nunca chegou a ver

Um cruel fantasma-humano...

Por isso, tenha piedade,

Não lhe tire o último sonho:

Ela acredita no Bem,

Não lhe mostre o medonho...

Se você não for capaz

De cuidar desta velhinha,

Dê a volta, passe longe,

Não maltrate a coitadinha...

Ela, agora, é tão só

E precisa ser cuidada...

Mas antes forte, sadia

A si mesma ela bastava.

A gente somente recebe,

Quando dá com alegria...

Quem sabe você não precisa

De igual cuidado um dia?

Para o tempo nada vale

A idade que o corpo tem...

Pois o tempo não acaba,

Nem o espírito, também...

O corpo fraco, cansado,

Pode ter a alma jovem.

Para isso, não importa

O quanto durou a viagem...

Mas um corpo novo pode

Ter sua alma cansada...

Cansada como a velhinha,

Por esta história narrada.

Se este for o seu caso,

Não lamente a sua sorte...

Cuide dela com carinho,

Não a empurre para a morte.

Se ela deseja apoio,

Sossego, compreensão...

Dê-lhe amor, dê-lhe alegria,

Dê-lhe paz ao coração.

(em 08/08/1968)

Mariza Monica
Enviado por Mariza Monica em 06/04/2007
Reeditado em 10/04/2007
Código do texto: T439766
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