21

21

A criança sentada sob amendoeiras

Banhando-se em chuva de folhas secas

desmaiando aos seus pés

Enquanto observava heróis que erigiam

Mais um troféu de granito e vidro

Entre suor, arquejo, ruído e gritos.

Os últimos dias de verão

Passeando na terra

Levando e trazendo imagens

Que nunca mais seriam vistas

As folhas. Os homens,

O totem inacabado. O totem:

Premio para os inventores

Da interminável guerra

Minhalma sã e benevolente

Disposta a crer nas coisas

Mais surpreendentes

Descansava recostada

Na amendoeira gigante

Inebriada com visões estonteantes

Meu espírito, que mais tarde seria mordaz

Deliciado com toda aquela paz;

Eu aprendendo a ver a viver a terra

Ouvindo com a planta dos pés

Os segredos que nela se encerram

Nesse tempo meu Deus era sujeito gentil

Que volta e meia bebia em um barril

Depois, amarrou a cara

Não mais comia em minha mesa

não acreditava na terra

não sentia sede nem nada

perdendo, diga-se assim,

toda a sua delicadeza

de figura boa, bela

compreensível e estimada

As folhas acabaram de cair

todas elas

O verão partiu para longe da terra

Eu, quem pensava nunca mudar,

vi-me enfrentando noites no mar.

A beleza de Deus se perdeu nas ondas

Aprendeu a falar besteira

Beber a noite inteira

A viver na zona

Como se não houvesse mais nenhum lugar

Onde houvesse amendoeiras

Além de mordaz, espírito sarcástico

O sol de verão, quente, fez-se cáustico

As pessoas não mais marcavam presença

Apenas iam e vinham, em indecências

Que ao meu Deus encantavam.

Das pessoas, fui aprendendo a ver-lhes

O outro lado que teimavam em trazer

Guardado, escondido e chaveado

A sete chaves, mil mentiras, bem trancado

Minha alma já era bem sagaz

Inventando guerra onde queria paz

Não mais descanso de tarde dezembrina

Às vezes, saudosa, deitava-se no bico da proa

Eu a via lá, à toa, imaginando sol quente

Na noite solitária do mar

Recordando dias já idos

Quando podia descansar

Ver, sentir e amar vapores exalados

Dás arvores, da terra na chuva.

Agora: maresia, álcool, cio

Planos-enganos, suor de soldado

Preocupado em trazer limpo o fuzil

O barco, sulcos profundos, à vante

Deixando para trás, cada vez mais

Um verão, amendoeiras, cigarras

Menino enfeitiçado

Que naquele tempo desconhecia

A eterna saga dos homens marcados

Ignorando que a nau não abandona

Nunca a raça de desarvorados

Na proa, o Deus surpreendido

Ensinava-me pecados.