A miséria de Sísifo
Já não há mais o que dizer.
E nem o nascer do sol
é mais tão belo assim.
O horizonte, como uma mãe seqüestrada ao seu rebento,
pare em silêncio,
sem reclamar poética à sua cria.
A necessidade de comer já é maior
que a própria fome.
E as palavras não mais cabem em nossa boca.
É preciso aceitar a pequena morte —
essa em que não se morre —,
para renascer várias vezes ao dia,
e é preciso se esconder dos outros,
para não ter de responder aos insopesáveis
apelos de Bom-dia, há quanto tempo, como vai, nem te reconheço mais, olha eu te desejo toda a felicidade do mundo que sobrar do espaço das minhas realizações.
A simples existência,
recheada de cartões de crédito
e horas ininterruptas de trabalho,
se explica por si.
E já não há mais o que dizer.
Assim é a miséria de Sísifo, proclamada pelo Sol:
fazer e refazer sua grandeza
enquanto o mundo galopa à revelia.