As mãos e os pés calejados

remexendo gavetas da memória

muitas delas emperradas pelos calos citados

revi as mãos firmes de meu pai

ostentando como troféu grandes calos

frutos do árduo trabalho no campo

e esses mesmos calos, mais tarde lhe serviram

como garantia no armazém da cidade

onde tentava comprar fiado

o mesmo arroz e feijão que ele plantava no roçado

revi a minha estrada - empoeirada

os pés cheios de calos

feitos pelos sapatos de numeração menor

ou do tênis aproveitado de alguém que o pé cresceu

vi ainda os calos provocados pelo lápis miúdo

quase sumindo por entre os dedos

os cadernos cuidadosamente apagados

para então se escrever novamente.

não me lembro de ter cadernos novos.

chegou a juventude

os pés e os dedos acostumados à luta,

não sofriam mais

aí vieram outros calos!

a injustiça e a falta de liberdade, calaram minha voz

uma mordaça de ferro impedia o meu grito

as paredes que me cercavam

provocaram calos na minha alma e nos meus sonhos

hoje os meus calos mais doloridos

são aqueles dos tempos perdidos

talvez a falta de fé, a descrença do que sonhei,

do que acreditei um dia

a utopia deu lugar ao vazio e ao comodismo

e os calos que me machucam

marcam rostos marginalizados

pela falta de decência.

vejo-me calejada pela luta contínua

renego veemente os calos da ignorância,

da covardia, da prepotência

e tantos outros que batem na minha porta

todas as manhãs estampados nas manchetes

com letras garrafais

Perpétua Amorim
Enviado por Perpétua Amorim em 18/04/2007
Código do texto: T454614