O Ópio da Poesia

Quem pode viver por mim a angústia de saber

Que no dia que nasci, no despertar

Da vida, já estava condenado a morrer?

Há como esse fatalismo esquecer:

O desabrochar, o caminhar, o murchar

E o abismo do não-ser?...

Como escapar da certeza, meu irmão,

Que só por nós mesmos, queiramos ou não,

A nossa vida

Pode ser vivida,

Pode ser sentida,

Pode ser sofrida?...

Como escapar da certeza, meu amigo, minha amiga,

Que só nós mesmos, e não há filósofo que não o diga,

Podemos viver o nosso amor,

Ou a angústia do dissabor,

Ou o horror

Da nossa solidão e dor?

Para obrigatoriamente sorver

O cálice do nosso carma vivencial

E da nossa angústia existencial,

Toda a ajuda do mundo podemos receber,

Mas tudo isso só nós mesmos podemos viver!...

Como isso às vezes é tão terrível, desolador

Iníquo e massacrante,

É temerário afirmar, ó valente senhor,

Que é frouxo e covarde, o pobre viajante,

Que desiste da caminhada, da tormentosa lida,

Pela fascinação do “nada” suicida

Ou pelo encantamento da sereia impura,

Que o convida às drogas, na viagem da loucura!...

Pois quem não sabe, um dia vai saber:

É perigoso viver!...

Mas eu escapo, com um jeitinho especial,

Desse imundo e pegajoso lodo mental!

Calma! Aviso logo que a minha mente não tem compromisso

Com álcool ou drogas e que nunca me matei, afinal.

(Ou será que já morri e nunca soube disso?...)

Calma, eu vos rogo,

Confesso: na verdade, eu me drogo!...

E que também tais coisas me atormentam; mas, para esquecê-las,

Ligo o computador e viajo pelas estrelas,

Pego a minha lira e canto às musas com alegria,

E me drogo! Me drogo com o ópio da poesia!...

Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 29/04/2007
Reeditado em 11/11/2008
Código do texto: T468905
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