Sem título(74)

Hoje escrevo o meu epitáfio

Derramo sarcasmos e sinceridades

No alabastro comprado com sangue falso

Hoje sou operário canteiro com alma de artista maior

Gravo na pedra trivialidades com belezas formais

Omito o cadáver o artesão e o íntimo da rocha

E deixo transparecer a verdade íntima do meu ser

Por dentro da rocha em minhas mãos desvendada

Vislumbro a árvore de luz

E quedo-me na árvore do esquecimento

Na sombra dos derrotados

Perdida a batalha de esculpir o amor em pedra maior

Ganho a guerra no verso do meu epitáfio

Inscrevo de mãos nuas a frase lapidar

Sem memórias escrevo telegraficamente

Ou sulco a pedra com a seiva acre-doce do meu pranto

Com a memória de esculturas imperfeitas

Sem memória

Despedaço-me ao vento

Ou cresço em terra nova feito húmus

Sem memória e sem futuro

Dionísio Dinis