Ode à noite

Oh noite, soleníssima noite!

Senhora de minha insônia angustiada,

Caminho fascinado por teu corpo

Contorcido de sensualidade...

Vou-me etéreo no sumidouro do espelho das vitrines,

Sou mais um no imenso exército

De desvalidos, de solitários, de ébrios

A sugar em teus seios maternais

O ópio das ilusões indolentes...

Oh noite, vastíssima noite!

Senhora de meu deslumbramento,

Caminho por imensas avenidas multicoloridas,

Repletas de bares, que são castelos de sonhos,

Onde notívagos representam seus papeis:

Reis ignotos, rainhas decaídas,

Princesas destronadas, príncipes deserdados,

Fidalgos falidos, damas fracassadas...

Oh noite, sereníssima noite!

Senhora de meus anseios deflagrados,

Caminho ébrio de solidão,

Carrego na mochila o fardo das desilusões,

Rumino uma revolta de exército de bárbaros

Contra uma Roma adormecida...

Meu corpo sente o cansaço inútil de todos os descaminhos

Por que me levaram meus pés...

O brilho de meus olhos extraviou-se na contemplação

De horizontes brumosos desse mundo cão...

Meu coração amarga a certeza miserável

De ser sempre um imponente castelo

Com seus imensos salões suntuosos e vazios –

No salão principal, sobre o piano de cauda,

Amarelada pelo tempo, descansa a partitura da valsa

Que compus, Astud, para nosso malogrado amor...

Oh noite, enigmática noite!

Alberga-me em teu colo aconchegante,

Enlaça-me em teus braços calorosos,

Acalanta a amargura de meu pranto infindo,

Deixa-me ficar assim menino-grande, quieto,

Mergulhado no mundo indolor dos sonhos

Que descansam, uns, escombros à sombra da dor;

Outros, caducos na poeira do universo...

Põe tuas mãos ternas sobre meu desassossegado coração

Que sangra e avoluma-se como um rio caudaloso,

Em correntezas arrebatadas,

Em fúria cega de desaguarem

No oceano das desilusões...

Oh noite, imensa noite!

Vou-me estrangeiro por entre vitrines,

Perco-me, extravio-me por ruas que desconheço,

Distancio-me cada vez mais

Do aconchego de meu quarto...

Pouco me importa!...

Sinto a sede insaciável do novo,

A sede alarmante de entorpecer-me de ópio,

De embriagar-me de absinto, de vodca, de gim,

De embalar-me na dolência envolvente do blues,

Do tango, do bolero, de qualquer coisa

Que me arrebate de mim,

Que me leve numa viagem desenfreada

Pelo mundo encantado da fantasia,

Pelo oceano das sensações desmanteladas,

Que me faça chorar, copiosamente, um pranto de

Niño que perdió su madre por las carreteras de la vida...

José Oliveira Cipriano