William Blake

William Blake é um dos meus poetas prediletos.

Foi um poeta atormentado, que viajou até o profundo se si mesmo com grande coragem, procurando a verdade subjacente atrás da hipocrisia.

Viveu intensamente todas as suas dúvidas e interrogações. Jamais fugiu da realidade em que vivia e de suas próprias dúvidas. Não transigiu com a mentira ou com a fantasia.

Sua obra, nem sempre compreendida, principalmente em sua última fase,sempre nos leva a profundas reflexões. Viveu em plena Revolução Industrial, na Inglaterra, quando as primeiras mudanças impostas pelo capitalismo começaram a alterar todos os conceitos de vida.

Aqui estão alguns de seus poemas.

A Piedade deixaria de existir

Se não fizéssemos nós os Pobres de pedir;

E a Compaixão também acabaria

Se a todos, como nós, feliz chegasse o dia.

E a paz se alcança com mútuo terror,

Até crescer o egoísmo do amor:

A Crueldade tece então a sua rede,

E lança seu isco, cuidadosa, adrede.

Senta-se depois com temores sagrados,

E de lágrimas os chãos ficam regados;

A raiz da Humildade ali então se gera

Debaixo do seu pé, atenta, espera.

Em breve sobre a cabeça se lhe estende

A sombra daquele Mistério que ofende;

É aí que Verme e Mosca se sustentam

Do Mistério que ambos acalentam.

E o fruto que gera é o do Engano

Doce ao comer e tão malsano;

E o Corvo o seu ninho ali o faz

No mais espesso da sombra que lhe apraz.

Todos os Deuses, quer da terra quer do mar,

P'la Natureza esta Árvore foram procurar;

Mas foi em vão esta procura insana,

Esta Árvore cresce só na Mente Humana.

William Blake, in "Canções da Experiência"

Tradução de Hélio Osvaldo Alves

O Jardim do Amor fui visitar,

E vi então o que jamais notara:

Lá bem no meio estava uma Capela,

Onde eu no prado correra e brincara.

E os portões desta Capela não abriam,

E "Não farás" sobre a porta escrito estava;

E voltei-me então para o Jardim do Amor

Lá onde toda a doce flor se dava;

E os túmulos enchiam todo o campo,

E eram esteias funerárias as flores;

E Padres de preto, em seu passeio secreto,

Atando com pavores minhas alegrias & amores.

William Blake, in "Canções da Experiência"

Tradução de Hélio Osvaldo Alves

Compaixão, Pena, Paz & Amor,

Todos lhes rezam no seu sofrimento;

E a estas virtudes de tanto fulgor

Entregam o seu agradecimento.

Compaixão, Pena, Paz & Amor

É Deus, nosso pai adorado,

Compaixão, Pena, Paz & Amor

É o Homem, seu filho amado.

Tem Compaixão humano coração,

E tem a Pena uma face humana,

Amor, a forma divina de eleição

E a Paz, o traje que irmana.

Todo o homem, em todo o clima,

Que, com dor, reza como é capaz,

Reza à forma humana divina,

Amor, Compaixão, Pena & Paz.

A humana forma amar é um dever,

Para os ateus, os turcos, os judeus;

Compaixão, Amor & Pena, haja onde houver,

Também é lá que encontrareis Deus.

William Blake, in "Canções da Inocência"

Tradução de Hélio Osvaldo Alves

Vagueio por estas ruas violadas,

Do violado Tamisa ao derredor,

E noto em todas as faces encontradas

Sinais de fraqueza e sinais de dor.

Em toda a revolta do Homem que chora,

Na Criança que grita o pavor que sente,

Em todas as vozes na proibição da hora,

Escuto o som das algemas da mente.

Dos Limpa-chaminés o choro triste

As negras Igrejas atormenta;

E do pobre Soldado o suspiro que persiste

Escorre em sangue p'los Palácios que sustenta.

Mas nas ruas da noite aquilo que ouço mais

É da jovem Prostituta o seu fadário,

Maldiz do tenro Filho os tristes ais,

E do Matrimónio insulta o carro funerário.

William Blake, in "Canções da Experiência"

Tradução de Hélio Osvaldo Alves

Mareluz
Enviado por Mareluz em 22/04/2014
Reeditado em 22/04/2014
Código do texto: T4778100
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