Falta de reflexo
Toda essa desemelhança não me espanta.
Com certeza não.
Tem me atordoado o despertar da falta.
Já escrevi sobre ela muitas vezes, dissertei sinônimos e opostos.
Mas às vezes a noite é meio desastrosa e inesperadamente iluminada.
Às vezes há sentido no que eu penso.
Muitas vezes não.
Culpa toda dessas horas de Caetano.
Essa Transa eterna, áudio simbiótico.
Talvez seja daí tanta falta.
Noites de roer a unha, noites de análises retóricas.
Evasão de devaneios é uma boa definição.
Evasão é a identidade dos autores.
Todo aquele que escreve foge de si.
Se não fosse por isso, não seria necessário o fato de não sermos nós atrás das linhas.
Enquanto eu leio você, somem os seus contornos.
Enquanto você observa meu traçado, eu me descrevo.
Descrevo e desescrevo, com o perdão de outro neologismo.
E fujo, sem muita habilidade, das atemporalidades que estremecem as paredes da minha mente.
É fugindo que eu me adenso em mim mesmo, assim como você.
Mesmo que você acredite na distância, é a proximidade que te faz estranhamente especial.
E, tentando evadir minhas próprias fronteiras, esbarramo-nos.
E pronto.
Não há mais como sumir de você, não há fuga que não te leve junto.
E, exageros a parte, a ausência é logo falta.
Não saberia explicar essa frase de um jeito melhor: toda vez que me olho no espelho, imagino você elogiando (estranhamente) os traços do meu nariz.
Mesmo sendo espelho, os reflexos sem me lembram você.
Se você não está, é ausência.
Se você está e eu também não consigo me pertencer, é falta.
Não existe mais posse.
Existe escassez e cuidado.
Cuidado para evitar o excesso de sentimento.
Escassez de possibilidade de fazê-lo.
Fazes-me falta e só.
Desculpe a poesia.
Muito obrigado pela mesma.