Sublimação

Nunca é tarde demais para entender, Beatriz.

Não se desgaste, é um pedido.

Gastando-se, não sobrará muito de você quando lhe sobrar tempo.

Agora, mesmo que o tempo lhe falte, a sua presença faz com que o peso das coisas seja exato.

E aqui que quero chegar: tudo tem seu peso, Beatriz.

E, se o universo é algo mental, as coisas que tangem a você tem a necessidade de serem da dimensão exata que lhe é sensível.

Portanto, sua mente determina o quão forte são seus risos embaraçados.

E quão excruciante é o fardo de não poder rir de todas as coisas.

Não me limito em dizer nada ao seu futuro, Beatriz.

Como bem sabe, nele cabem apenas as histórias que não podem ser suas.

Falar de futuro, cá entre nós, é falar de não pertencer.

Futuro é seu despertar, que logo vira passado.

Presente é o que é seu, o que você absorveu, o que suas mãos tocaram, o que arranhou seus joelhos, o que não foi.

Mais uma coisa para você guardar em alguma gaveta dessa cômoda que intercala seus sonhos.

Não se precipite. Isso também é um pedido.

Entenda causa e consequência como um edifício sem andares.

Não existem escadas que a levem a lugar superior ou a menores níveis de inteligência.

Cada patamar é horizontal e interdependente.

Não existe morte que não tenha sido vida algum dia, Beatriz.

Assim como não existe vida que nunca termine, disso qualquer ser humano entende com perfeição.

A realidade é um barco vazio.

Há oceano. Há rumo, o caminho existe e encerra em si mesmo.

Há até mesmo pessoas, muitas delas não percebem o navegar, mas observam, estáticas, as ondas que o barco propaga.

Muitas delas.

O barco é sempre vazio e segue, sem cessar.

Tome cuidado com o contratempo, os contraventos.

Não admire por muito o tempo o balanço do mar. Vire as costas, se cubra e volte a sonhar.

Porém, não pare.

Jamais, jamais pare.

Deus nenhum decide a sua sorte, a não ser que você tenha a sorte de acreditar que qualquer um deles o faça.

Eu não a tenho.

Logo, nada na mentalidade da existência se dá ao prazer de parar.

Assim como os átomos, nossos devaneios estão constantemente vibrando, então aproveite para criar seus anseios com qualidade e com velocidade.

Isso dará profundidade para suas angústias, mas não as farão tão nucleares a ponto de não lhe permitir mais retornar de seu interior.

Inevitavelmente tudo se dividirá dicotomicamente em ansiedade e alívio daqui pra frente, então não queira expandir a noite.

A noite, como disse sábio homem, dissolve os homens.

Sublime-se, Beatriz.

Radicalize-se, transcenda.

Sua solidez é a garantia da leveza dinâmica e da expansão escatológica.

Não se interceda pela liquidez do tempo.

Tempo escorre.

O ar, mesmo não acreditando em destino, sempre permanece.

Fernando Cesar
Enviado por Fernando Cesar em 27/06/2014
Código do texto: T4861039
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