A tarde de fossa

Nada há fluindo nas consolidações das marés

Quase consumida em dores em dores de poesia

Flores quase gritando em raízes de lama

Nossos olhos serrados na sacada de casa

Mal equilibrados no gás das horas que morrem

Quase laranja nos tons de céu desabados

Possessos na fossa de nossas rotinas desajustadas

Com os olhos tristes e esperançosos

Ao lado da fabrica abandonada

Com os muros sujos tão sujos pela fuligem

Socializando a cidade férrea

Enquanto a tarde é quase como cinza

E o cristal do ar é límpido envolto nas profundas gretações do cansaço

As casas todas perfiladas em telhados profundos

Uma consumação se dizimando nos velhos

A violação das impenetráveis esferas

O tempo que nos arrasta

Os amigos que não nos telefonam mais

Todos cabem ali na desolação das lembranças

Numa tarde vazia que filtra sentimentos com o calor que a devora

Entre olhares sulfúricos lacrimosos

E no esmerilhar das lágrimas sobre o peso gravitacional

Desejo e mais desejo e desprezo e mais desprezo

Contrações involuntárias

Entre a cortina de fumaça que os carros deixam

Entre flores pequeninas que quase não vemos

Crescendo no meio do nada dada ao silencio de sua desolação

Ou atrás da casca das arvores no liquido por dentro de suas folhas

Algo se integra para devolver ao espaço da vazia abstração

Algo surge entre olhos vazios que ligam pensamentos

Ideias que morrem rolando aos ventos

Uma parede onde se inclina a sombra da tarde

Onde margeia o sol dourado

Acima das casas literalmente confundidas

Por entre becos encandeados de luzes

Paredes caídas por onde se derrama o crepúsculo

É de fibra a língua despojada de querer-te falar de encantos

São nos olhos onde nascem os silêncios que se destilam

Ficam escutando a imagem que nas horas se refaz

Nos sobradinhos nas ladeiras

Nos caminhos a paisagem persiste

Fica gritando nas vozes distantes

Entre as crianças no campo de terra atrás da fabrica

Quando o futebol começa

Imagino uma poesia qualquer para abrigar meus versos

Para seduzir mais um dia de fossa olhando da sacada o bulido das coisas

Entre tudo que não sonhamos mais que vemos acordados

Como quem ama sem ser amado e suspira

E ecoa o palpitar de suas vozes refletidas

Na força da imaginação

Ecoa sem beleza entre as ruínas perecíveis das cidades

E voa distante além do tempo sem memoria

Dos olhos se apagam todas as paisagens

Não sei se nos papeis ainda se encontre algo para nos dizer que amamos.