ÁGUAS SURTADAS
Quando a manhã principia
E eu desperto, desperta comigo
A sensação que mais me angustia:
Sentir a falta de um ombro amigo.
Quando a noite declina
E eu adormeço, adormece no fundo
Da alma a minha ontológica sina:
Ser um estranho em meu próprio mundo.
Sem fronteira que me limite,
Ou lenitivo que me acalme,
Verto, na vertigem, palavras nunca pensadas;
Bebo, qual bêbado, das ignotas águas surtadas.
Porque eu sou o verdugo que surta,
E que treme, e que grita, e que corre...
A desgraça iminente que jamais ocorre,
O fantasma ébrio que me assusta.