MADRUGADA

MADRUGADA

Sobre os telhados da cidade

Que ainda dorme,

Desmaia a lua cansada;

Aqui, ali e mais além,

Latem cães, rafeiros, de guarda,

Ninguém sabe quantos,

Nem a idade que eles tem;

E um galo solitário e sonhador

Canta

Canta a dor,

De perder a madrugada.

O jornaleiro vai empurrando o jornal

Sob as portas dos assinantes,

Alheio às notícias que carrega em seu bornal;

Para ler más notícias?

A ele já lhe bastam suas mágoas

Tão iguais, hoje, como antes.

Pelas mesmas ruas da cidade

Passam outros honrados trabalhadores,

Uns, sonâmbulos, outros, de barriga vazia,

E ainda assim, um que outro assobia,

Talvez para espantar o medo

Ou disfarçar os seus dissabores.

Não há como não sentir

Certa nostalgia

Dos tempos de algum dia,

Em que o pão e o leite

À porta se deixava

De madrugada,

E ninguém mexia

Ninguém roubava.

Hoje que desilusão,

Que triste condição

Que nada justifica...

Somos prisioneiros na própria casa,

Tudo virou uma futrica.

Mas não falemos de tristezas;

Entretanto, uma coisa eu temo,

É que pelo andar da carruagem

Possa tecê-las o demo;

E no meio de tanta voragem

Possamos chegar à derrocada:

De um dia, ainda haver só noite,

E acabe a madrugada.

Eduardo de Almeida Farias

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 18/05/2007
Código do texto: T491977