A luz distorce os homens
Arrastei tempo demais os corpos pesados.
O cheiro, o emaranhado de fios.
Os envelopes rasgados, a cola dos adesivos nos vidros.
O sol marcou as bordas, todos os dias acordado.
E o que não marcou?
Talvez a pele, ainda muito branca
Talvez a areia, ainda muito fria.
Talvez nada disso. O Sol nem mesmo aparece por aqui quando eu não estou.
E quanto estou, nem sei bem do que se trata.
Muitas vezes não escuto, outras finjo que não existe manhã e sempre me acho no escuro.
Você me pediu pra não falar de futuro.
Pois bem, digo que não consigo.
Não consigo não dizer que o futuro não é nada.
Esse escuro de que falo, esse tanto que comporta tudo, é por ele que ando.
Claro diante dos olhos, negro atrás das cores.
Eu não sei falar de nada além do que já disse.
"Nenhum homem é criado por Deus para sofrer".
Se nenhum Deus é criado no sofrer dos homens, o que será de mim?
E de Deus?
Tão escuro, nem preciso de tantas pupilas.
Só preciso explicar o que vejo.
Queria não precisar o tempo todo.
Queria que o escuro fosse tudo.
Quem sabe não perceber seja o caminho?
Esqueça, já percebemos.
Tentar não falar de futuro ainda é perceber que ele existe.
Desistir de tentar.
É tudo tão escuro que talvez eu não saiba desistir.
É tudo tão escuro que talvez não eu saiba.