Apelo

O telefone

da cabine pública

por muito tempo

vibrava nas madrugadas

Às vezes

reproduzia

uma lamúria

que se perdia na indiferença

Outras

parecia incitar

uma alegria epidêmica

Durante as vigílias

a sua convocação

imprimia-se

nos goles de café

Em vendavais e aguaceiros

maleava uma súplica

que nos levava a cismar

sobre a tripulação em largo oceano

Ante os céus enluarados

declarava

no ar

a beleza da noite

Por outras

de modo intruso

descobria

a paisagem

dos nossos sonhos

Malgrado

insistentemente

nos ter invocado

nunca foi atendido

Todos nós

encastelados ou transeuntes

ébrios

moderados

loucos ou disciplinados

ricos e pobres

preservávamos

um inexplicável recato

Presentemente

nas madrugadas

o telefone da rua

não vibra mais

Por isso

vez e outra

tarde da noite

despertamos

- o silencio é vazado

pelas ondas sonoras

da água no copo -

olhamos arrependidos

através da janela

e ficamos a esperar

o seu chamado