NATURA
(PARÁFRASE)
(JEAN RAMEAU)
A Natureza tem, prontas, a cada instante,
Mãos doces como um beijo ou brutas como garras,
Mãos que sabem fazer as patas do elefante
E as asas cristal das gárrulas cigarras.
É quem sacode no ar o açoite dos tufões
E desperta no espaço a alma das nebulosas,
Filigranando d'oiro a cauda dos pavões,
De leve acetinando as pétalas das rosas.
É ela quem no fundo aspérrimo da terra
Cristaliza o rubi, o topázio, a esmeralda;
Nos céus rufa o trovão que as multidões aterra,
E das uvas relfina a dulcíssima calda.
Da chuva é quem na gleba as lágrimas espalha,
E do luar suspende o triste alampadário;
Do sol é quem assopra a rúbida fornalha,
Enchendo a mata em flor de trilos de canário
Dando o beijo à Mulher, à flor dando o perfume,
Manda que a Mulher mate e que a flor envenene;
Faz o lírio brotar da química do estrume
E empluma um rouxínol na boca de Verlaine.
Traça a órbita dos sóis, montanhas escultura.
Improvisa vulcões no meio do oceanos;
Na gruta cerebral, maravilha e escura,
Com fósforo segrega o pensamento humano.
Tem ímpetos louca e carícias de amante,
Sincopa um entremez, de repente, num drama;
Transfigura o carvão tão negro em diamante
E a mais bela mulher num bocado de lama.
Perfumes distilando em seu laboratório,
Das magnólias torneia as jarras de alabastro;
Se desmancha uma ilha, esboça um promontório,
Se mata uma donzela, acende logo um astro.
Cordilheira derruba e poupa uma formiga,
Guitarreia canções dentro dum cemitério;
Ceifa de Jesus Cristo a doce fronte amiga
E deixa em paz crescer o braço de Casério.
Estrelas aos milhões semeia no Infinito,
Revolve d'alto a baixo os vagalhões do mar;
E, para lapidar os olhos dum mosquíto,
Deixa ás vezes dum mundo a obra por acabar.
Sento-se o Homem pequeno e estático delira,
Ao ver a Terra assim de maravilha cheia,
Enquanto o vibrião por sua admira
As áureas catedrais que encerra um grão d'areia.
Quem sabe se, também a Terra entre Universos
Não é um grão de areia, humilde, que doudeja,
E nós uns vibriões neste átomo dispersos,
Tão vis que o próprio Deus nem talvez mesmo os veja?
In" ANTOLOGIA DE TRADUTORES" (Traduções Selecionadas por
Olegário Mariano). Editora Guanabara - Rua dos Ourives, 95. - Rio-