SOBRE UM VERTIDO DE CETIM BRANCO

(RÉVERIE)

Ao Dr. Antonio A. Guimarães.

"Une sobe git dans un coin,

Veuve de son odeur exquise

D'ambre, d'iris et de benjoin:

Cest la robe de la Marquise".

Eugênio Vermersch

Lá num armário esquecido

De um quarto escuro, defeso,

Mofado, de traças roído,

Num velho prego ainda preso,

Vê-se na sobras um vestido,

Um vestido abandonado,

Já sem o bafo querido

Dos perfumes do passado:

O vestido da Marquesa

De cetim branco e filó;

Ontem cheio de riqueza,

Hoje coberto de pó.

Grande vestido de gala

Que, dos bailes aos fulgores,

Soberbo varria a sala,

Cheio de rendas e flores,

Mal deixando ver o seio

Do decote na abertura,

Como que tinha receio

De lhe mostrar toda a alvura

Das curvas que ele vestia

Os moldes não se vêem mais;

Do colo que ele premia,

Côncavo, morno, onde estais?...

Como se estragam depressa

Os vestidos de noivada!

Parece o tempo ter pressa

De deformá-los, malvado!

Pelas vidraças do armário

Vê-se ainda a luz do cetim

Do vestido solitário,

Com a cor do velho marfim

Uma aranha indiferente,

Dum fio dependura

Da renda que antigamente

Sentiu da carne a doçura.

Passou-se o tempo do amor,

Das festas; a noiva agora

Está bem velha - que dor,

Quando se lembra de outrora!

O magro corpo ela cobre

Com vestes de cor tristonha;

Não pode esquecer, a pobre,

Aquela quadra risonha!

Sou jardim - montão de rosas -

É o amor que inda hoje tem;

Sabe as vozes misteriosas

Das coisas, entende-as bem.

À tarde a velha cismando,

Da patrona no conforto,

Deleita-se acompanhando

Com seu olhar vago e morto,

Por sobre as rosas vermelhas,

Dos jasmins pras violetas,

O baile azul das abelhas

E a valsa das borboleta...

OUTUBRO, 1892.

DR. EGAS MONIZ BARRETO DE ARAGÃO (PÉTHION DE VILLAR)
Enviado por Francisco Atila Moniz de Aragão em 17/02/2015
Reeditado em 17/02/2015
Código do texto: T5139950
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