Ensaio sobre a cegueira

Talvez devêssemos ficar cegos

por algumas horas ou minutos

aqui e acolá,

nestes tempos sem tempo,

e, ausente o sentido da razão,

escutar, com toda evidência,

o canto da tarde,

o sopro do vento

e a água da chuva.

Uma cegueira provisória

apenas emprestada pela poesia

que permitisse,

através do toque,

um encontro com a forma real

dos objetos e sentimentos.

Uma cegueira que nos desse

música de câmara,

cheiro de café

e o toque macio do sol do poente.

Uma cegueira branda,

que nos devolva,

após o sono das cores,

o direito de ver o brilho nos olhos e

o largo sorriso,

que são, também,

matéria para o poema.