Sol nascente

não seria num sábado a noite quando - de lingerie nova, vestido provocante e maquiagem impecável - meu letreiro dissesse sim

seria quando, obedecendo a toda a (falta de) expectativa, o coração estivesse calmo e a vida parecesse não ter espaço

quando a cabeça pedisse um tempo e o espírito precisasse de cuidados, remendos, reparos

quando pensar em ter alguém por perto chegasse a causar um certo pânico - que que eu faria se, além de tudo, tivesse que lidar com um novo sentimento?

é exatamente nesse instante que ela vem.

vem com um ar de quem não quer ser notada também... de quem ta ali tranquila e inteira, vivendo um hoje que não espera dedos enovelados nem olhos densos de paixão olhando os seus

ela vem, e eu paro ali:

naquela pele linda que reveste um ser humano forte, doce, amável, surpreendentemente leve e humano... humano, humano

com cachinhos incríveis e macios que são o morango do bolo (não gosto de cereja)

naquela 'cintilância' que o céu ganhou quando, num susto gostoso, notei nossas faíscas se espalharem por toda a redondeza e nossa sintonia se tornar palpável

parei ali e não saí mais

desde aquela espera torturante por tornar finalmente táteis nossos desejos

que essa sincronia tem me trazido um deleite sem dicionarização

e que essa nossa soma ganha cada dia mais cara de música boa, de samba descalço, de cerveja gelada, de risada escandalosa, dessas coisas que nos dão cor

é que essa sua aura límpida de quem é só bondade

e essa sua entrega de quem não teme nem calcula o próximo instante

têm me feito não fugir - igualmente - dessa vontade perene

de cravar meus dentes em seu suor que é sustento

de velejar por esse relevo de divinos acidentes que são labirinto

e desconhecer norte leste ou sul

e abraçar meu grito que é livre

cantado por bandos e bandos de aves que ecoam

por afrodites anjos santos e orixás que abençoam

essa deliciosa conexão

e constatar que os discursos calças calendários sobrenomes

ontens amanhãs formalidades nada

nada existe mais

ser só uma alma lúcida de um corpo bêbado

cru exposto sinestésico

e bailar - inconsciente - por esse túnel de luzes coloridas e ofuscantes que se abre pra infinitude entorpecente do seu olho

lavar-me e renascer nessa luz

e depois, deslizar triunfante por suas águas de permanente fervura

que me envolvem, me acariciam, me prendem, me lançam em cascata

me lambem e me queimam a pele até não sobrar um átomo que não esteja encharcado de seu gozo.

e então... não esperar amanhã

não precisar esperar nada

estar aqui agora e saber que, depois de agora, é em branco

olhar profundamente e muito profundamente você, me confessando com todas as letras sem articular palavra

estar completamente nua e me sentir cada vez mais à vontade

deixar que o coração dispare e depois respire e se acalme e se guarde

deitada em seu peito que é leito suave e acolhedor

é, eu não sinto qualquer vontade de sair daqui.

Marina Borges
Enviado por Marina Borges em 21/07/2015
Reeditado em 31/07/2015
Código do texto: T5318737
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