Se eu morrer hoje

Se eu morrer hoje,

a vida,

que receberá a moldura do tempo,

terá conhecido uma pulsão

não traduzida em palavra

que movimenta as minhas sensações

com a mesma dignidade

que se atribui à elevação das almas.

Se eu morrer hoje,

mesmo que o mundo

nada altere em seu curso

terei assistido à ampliação dos meus ancestrais

na linhagem das obras

nas quais vou me escrevendo

e a morte carregará o gozo

de eu ter vivido

para além de mim mesma.

Se eu morrer hoje,

levarei comigo a experiência

da descoberta

o significado da ressurreição

e o desejo de transgredir o tempo

para imunizar a existência

de todo tipo de adiamento.

Se eu morrer hoje,

um céu azul como o de maio

terá me revelado a poesia

as tardes lilases terão se cumprido

e, dessecado o meu corpo,

haverá de estar nele

alguma marca do amor que o atravessa.

Se eu morrer hoje,

por um instante que seja,

morrerá também o inverno,

ante a ardência que me toma

como madeira em chama,

aquecendo o universo.

E serei eu mesma a fogueira

que cremará minha carne

cujas cinzas, lançadas ao vento,

exalarão o perfume do outono.