ENTARDECER

ENTARDECER

Morrer tranqüilamente a contemplar este entardecer.

Sei que ainda é cedo na terra.

Meu destino tenho que edificar com tanta franqueza.

E não posso me esquecer

que este calmo entardecer

farta-me de sabedoria;

nele há uma falta de vaidade,

nele há o anoitecer dos conflitos aflitos da cidade.

Cobre-me com sua carícia, meu caro entardecer.

As luzes titubeantes do dia estão a desaparecer.

Ouça-me algo... Ouça-me vida que um dia

imaginei que fosse amiga.

Dentro do meu corpo existe a fadiga.

Ouça-me algo, algo que mitiga

a dor revolucionada pela mão inimiga.

Agora não quero pensar,

apenas descansar na meditação.

Necessito de algo imenso,

mas convém agora descansar o coração.

Minha necessidade é ser de todos.

Mas convém me descansar, aprender dentro de minha mente,

estou deturpado como você.

Temos lutas a travar, meu camarada. Muitas lutas.

Sei que é possível não se afundar,

mas também é impossível não se desanimar.

Mas ó quanta vontade de morrer neste tão generoso

e convidativo entardecer.

E perpetuar-me neste instante de tarde

onde morre o conflito da cidade, onde dorme o homem, o alarde,

e nasce mais uma vez a tranqüilidade.

Não tente encontrar lógica no que digo; estou a me expressar.

Perpetuar-me neste infinito sem vaidade

e sem necessidade de ser ridículo frente à vida.

De ser esnobe frente aos seres.

Ser arrogante à custa de paixões – exclusivismo do homem.

Penso que estou a me antecipar, mas não deixo de ser imbecil.

Em que se resume a nossa desgraça?

Em que vagalume está contida a nossa graça?

Desgraça... resumo trágico do egoísmo.

É o mesmo que perguntar pela luta do poder,

pólos da nossa história pela suástica do poder.

Mas ainda quero ver o entardecer pacífico,

isto muito influi na história.

Não! Minha vida não soube encontrar o seu sentido,

deveria nascer morto antes de nascer covarde.

Mas há um raio que me impele como um desespero que me agita.

Há ainda uma tremulante luz

que, ao longe, sonho de vida precipita.

Não vencerá o sistema que exacerba o ideal

congênito de justiça.

Encontrar-me-ei com você novamente

neste mesmo banco de jardim.

Mas nesse momento terei a certeza de ter lutado, ter feito.

Então poderei estar para sempre com você.

Com você, meu antigo, meu antigo, meu amigo entardecer.

Morrer para sempre, deixando a missão

de viver, e não esperando nada do céu.

Que bom há de ser...

FERNANDO MEDEIROS

Campinas, é outono de 2007.