NA SELVA DE CONCRETO

Caminhando pela cidade de céu cinzento

Olho e vejo uma arquitetura íngreme, áspera, obscena

Uma arquitetura verticalizada, pessoas em cima de pessoas.

Acordo com as descargas de privadas, mais um dia vertiginoso se levanta.

Os muros estabelece o limiar entre a casa e a escuridão lá fora

onde tudo é incerteza.

A cidade está calada, mas ouço gritos silenciosos de desespero.

A selva de concreto a todos vai engolindo como um sorvedouro

Já não se ouve mais o canto do sabiá

Os passos nas calçadas causam histeria

Já não posso caminhar sozinho no silêncio da madrugada

contemplando a bela surdez das avenidas, ruas e vielas.

Ouço gemidos silenciosos da grande prostituta

Que se ergue como a besta apocalíptica nos sete mares

A humanidade geme, e goza de lascivos prazeres mundanos

E os loucos que vivem na normalidade preenchem cada dia

mais os consultórios psiquiátricos.

Ladrões roubam sua mente e sua sanidade com antidepressivos

Mas, jamais eles te medicarão sentar-se numa mesa de bar e prosear com os amigos.

Milionários, tomando antidepressivos com wisk e pulando de coberturas

Pobres e malogrados usando pedras como travesseiro

Será que a distribuição de renda é o único problema? Ou existe um abismo

maior nas zonas abissais do ser das pessoas?

E os valores supremos da sociedade, em partes, desvelam-se

valores de decadência.

O homem e suas parafernálias tecnológicas vão sulcando o planeta

E sujeitando o mundo ao seu domínio luciferino, dissacralizando o seu lar.

Não há mais sentido de ser, tudo é calculado pela lógica, pela razão.

Não, não, não estou aqui a procura da verdade suprema calculadora dos cosmos

As leis universais da física e da matemática, tampouco a métrica de Camões.

Sou apenas um homem que quer viver, sentir a terra sob os seus pés

Caminhar sob a chuva sem guarda-chuvas, Ai!! Lá se vem chuva ácida.

Caminhar sob o sol sem filtro soltar, ah!! Ah, já não temos camada de ozônio.

Na rua lá de casa vejo craqueiros, damas, putas, senhoras e maconheiros

Uns vão para as igrejas outros para os bares, em busca do mesmo objetivo: de um ópio que torne a existência suportável.

Permitam-me abrir um parêntese aqui (nada melhor que um churrasco e uma gelada para preencher o vazio existencial)

Para curar esse mal, para abrir novos horizontes, vislumbrar novas utopias, pra viver é preciso coragem, luta, enfrentamento, abandono da mediocridade que somos.