MISSÃO

A noite invade, fatalmente, o fim do dia
O tempo avança, a vida alcança o termo rude
O rio leva a correnteza forte e fria
As águas correm, a torrente entorna o açude

E como o açude em profundeza é nossa vida
Quanto mais passa o tempo mais completa fica
Pois somos plantas desfolhando pela lida
Que a cada folha morta torna-se mais rica

É por despetalar-se inteira em pouco tempo
Que a rosa reina nos jardins como rainha
É por evaporar-se ao bel prazer do vento
Que gota d’água é nuvem, chove e rega a vinha

Assim também passamos ágeis pelo mundo
Celeremente vão passando nossas horas
Mas quanto mais e mais esvaem-se os segundos
Mais aprendemos a riqueza do agora

E cada dia findo é como folha morta
Que quando cai dá nova força para a planta
É transitório e tênue limiar da porta
Que quanto mais aberta mais se agiganta

Nós somos tal qual uma grande tessitura
Como um tapete costurado a firmes mãos:
Quanto mais sofre o espezinhar da bota dura
Mais plenitude tem no esforço da missão

Da mesma forma que o açude já foi gota
Do mesmo jeito que o remanso vira rio
Quanto mais fica, a nossa veste, velha e rota
Mais vamos nos fortalecendo fio a fio.

Só desta forma que se cumprem os destinos:
Passamos pelo tempo, e o tempo vem sem dó
Viemos da poeira ou do sopro divino
E fatalmente vamos retornar ao pó.