As quatro estações

PRIMAVERA

Entre a cor e a árvore

passa o pássaro

no ar o perfume imemorial

da grama aparada

onde os passarinhos debicam insetos

e o vento matinal lembra poemas

na certeza de uma estação bordando cores

e de canteiros floridos

pendoando as manhãs de eternidades

e aromas

e o som sibilino do orvalho

sendo o orvalho a lágrima da brisa

sob as pétalas dos tempos e dos poemas

sendo o poema o amor posto

fora dos parêntesis

o fator em evidência

sendo o leitor

a condição de dois seres

a palavra mirando-se no espelho

na primavera insonte e perquiridora

poeta e leitor, por ventura, se pensarão?

as flores abrem-se

e nos nossos olhos a tarde tateia pétalas

abrem-se murmúrios e enlevos

como no primeiro dia da Criação

VERÃO

O sol cintila e espera nos grãos de areia

as águas e suas reentrâncias

molhando os quiméricos feudos e quintais

castelos de areia e senhores feudais

barcos de papel e os sonhos álacres e lestos das crianças

carrosséis de cavalinhos multicores giram nas praças

rodas gigantes amarelas e azuis rodam no ar

levando o encanto nos olhos do menino

levando a graça da menina, o sol, a paisagem

e o sonho que inventa os quatro

dentes de leão empurram o ar e o dia

a luz empurra o barco

as velas

azuis, brancas, amarelas

como um outro jardim

ligado à alma onde cavo

buscando a mim

enfunam-se de fantasia

estrelas saem das árvores

mal começa o fim do dia

OUTONO

As noites crescem,

soberanas e jacentes

e a paisagem veste-se de escuridão

tão de repente

morosa e ternamente

as folhas caem

morosa e ternamente

as folhas caem

onde antes eu pisava e escrevia chão

aprendo o refazer dos caminhos

a volta à foz do rio

aprendo na árvore desnuda

o silêncio de um deserto cheio de perguntas

esquecidas

escondidas

contidas pedaço a pedaço

mastigando palavras quebradiças

como os galhos secos

da estação

às vezes mastigo-as devagar

às vezes com ânsia e sofreguidão

a luz do outono me sustenta

levito sobre o instante e a estação

INVERNO

os dias dormem cada vez mais cedo

a luz entregando-se a ser ausente

dias curtos

inapreensíveis

o vento morde as casas

o nevoeiro esconde a rua de si mesma

e põe lassidão nas esquinas

o sol, hermético, engana que esquenta

posto num canto do céu

o céu mistura-se às nuvens bojudas

chora neblinas

os dedos frios do ar

tocando rostos e mãos

como nos toca o frio momento que acorda

e se põe a nos enlaçar incontinente e sozinho

o corpo, tolhido e álgido, pede calor

a alma pede carinho