A flor

A flor é o devir da flor

a flor em si mesma

e a lembrança da flor

O momento tremente

em que a penso

e aprisiono a flor

já não é mais a flor

é idéia e posse

é o que os meus olhos antigos

e a minha mente viciada dizem que é flor

mas, não é a flor

é a imagem decalcada

pelas imagens de todas as flores passadas

é o sonho doendo dentro da vida

A flor é o que sinto no momento

em que ela se entreabre só para mim

e cede-me as cores

e espargi-me aromas

e entrega-me o sol que também é a flor

e eu e ela somos uno

nas manhãs que regressam

pousadas em borboletas

e, lentas,

entram pelas janelas

A flor perfuma o instante

recendendo no sopro

das brumas e das saudades

que vêem das ilhas encharcadas

pelos ventos

derrubando pétalas

atravessando o rio e a minha alma

para perfumar os dias

de beleza

e da infinita mansidão

das garças esperando para

desaparecer

junto com as tardes

dentro do espelho oxidado

das águas da lagoa