O DEFUNTO

a sepultura não é apenas a cova

onde mora o defunto

é seu alvará de soltura

está oficialmente livre

da fome da peste do voto do árido destino

de todo feixe de agrura

o defunto

agora limpo das lepras

não é mais o bêbado exilado no bar

não é mais o marido ausente e frio

não é mais o sonegador de impostos

o defunto

é agora o mais lorde entre os homens

seu crachá de vagabundo foi confiscado

recebe flores e preces

seus boletos bancários são letras mortas

sua dívida com o fisco foi para o arquivo

seu entrevero com o eletricista da esquina

agora é anedota que reforça sua condição de santo

em seu primeiro minuto no além

o defunto paga todas as suas contas

não mais funciona como matéria e companhia

agora sua imagem ganha peso de serafim

é aquele parente chorado

tema central da última ceia do ano

é agora amigo do peito do maior dos desafetos

limpo e barbeado o defunto comove

atrai olhares e inspira gemidos de compaixão

no céu será uma estrela triste

segundo o mandamento sagrado dos filhos

alheio a tudo o defunto se abriga na cova

sem requerer qualquer suplício

é apenas breve matéria

que se solta rumo ao nada

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 26/11/2015
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