Poesia.

Um pai que ama sua filha acima de tudo, é uma poesia.

Um cão que corre durante vinte minutos atrás da gata que mia e, exausto, a vê saltar o muro que separa a lucidez da loucura, é uma poesia.

A diarista que chega em casa cansada e ainda tem que banhar e alimentar seus filhos, com lágrimas nos olhos, é uma poesia.

Os trilhos enferrujados onde o mato cresce e os trens há muito deixaram de passar, é uma poesia.

O trabalhador que trabalha sua dor sob sol a pino, esfregando o suor que escorre de sua testa com a costa da mão esquerda de Deus, é uma poesia.

A maresia da praia vazia ao crepúsculo, onde ao lado outrora jazia um cemitério indígena, é uma poesia.

A fumaça do cigarro do solitário sentado na calçada na alta madrugada, ao lado de uma garrafa vazia de cachaça, é uma poesia.

As melancolias e mercadorias que espreitam um pobre-diabo endividado e sem forças para se revoltar, é uma poesia.

As penas ressequidas e oleosas de uma velha pomba-gira, que perambula o universo de uma fábrica desativada no meio do centro velho de uma megalópole, é uma poesia.

O albatroz abatido e humilhado por um bando de marinheiros embriagados, que o erguem como um troféu, é uma poesia.

O estrategista de guerra, que no meio do campo de batalha escreve uma carta e pensa na família e ao mesmo tempo na mortalha, é uma poesia.

O agente funerário que vê o desespero dos entes do finado, e que, confinado ao seu expediente, em nada pode consolá-los, é uma poesia.

O egoísta que conta sua renda na poupuda conta bancária, e sonha com cifras e códigos, é uma poesia.

O amor dos adolescentes que se despedem na esquina, virando as cabeças, e mandando um aceno, é uma poesia.

A flor que fura o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio, também é uma poesia.

A velha e faminta águia que erra o bote pela décima vez seguida, mas que não pensa e não desiste, é uma poesia.

As dívidas, as dúvidas, os sonhos e pesadelos de um desempregado, é uma poesia.

O sentimento abafado pelo capitalismo, a correria e as filas, é uma poesia.

A máquina do mundo que massacra, mastiga e engole o trabalhador como óleo e combustível de suas engrenagens, também é uma poesia.

A renda per capita, o produto interno bruto, o capital inicial e a legião urbana, são uma poesia.

A sombra de uma árvore que acalenta a cabeça quente de um servente ao meio dia, após a boia fria, também é uma poesia.

Os transeuntes atordoados pelo endereço errado, batendo cabeças nas esquinas, também são uma poesia.

A labuta diária de ódio da puta cansada encostada no poste da Liberdade, às duas horas da madrugada, é uma poesia.

O padre que reza a missa enquanto alguns fieis masturbam seus olhares aos celulares, é uma poesia.

O vorazes trabalhadores obstinados, os nerd's, os estudiosos incansáveis e os capitalistas selvagens, também são uma poesia.

A vida, a morte e seu curto lapso de consciência que martela dentro da cabeça do filósofo desiludido, é uma poesia.

A tolice e a perda de tempo de quem escreveu esta porcaria, também não deixa de ser uma poesia.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 21/03/2016
Reeditado em 21/03/2016
Código do texto: T5580746
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