Os homens e os corpos
Atravessaram os trilhos, os dois.
Mesmo que em sentido contrário, cruzaram-se pelos tempos.
Desceram e subiram, correram as novidades.
Velhas máquinas enormes, brilhantes e barulhentas.
Mesmo sendo compacta a modernidade, os grandes enlatados atravessam a pobreza com a velocidade do presente.
Um presente tão intenso de gente e de existência.
Mas não saiamos dos dois, os que atravessam, antes que eles mesmos nos escapem.
Se atravessaram, o fizeram pelo mesmo motivo que eu.
Se chegaram a algum lugar, somos idênticos, pois também cheguei.
Entretanto, jamais fomos os mesmos.
Os trilhos ainda permanecem.
A grande máquina ruge, espreme e esmaga o corpo bruto de tantos outros.
Os corpos, esses mesmos, continuam.
Os dias são outros, mas seu conteúdo é atemporal.
E sendo atemporal, a marca da passagem deixa de ser lógica.
É sempre acúmulo de causas e consequências seletivas.
Eu escolhi observar porque sentir de olhos fechados sempre foi duro demais.
Enquanto isso, os dois homens me atravessam, tal como os trilhos.
Ao contrário, não os levo a lugar algum.
Mas nunca vou deixar de andar com eles.
Eles me atravessaram.