Os homens e os corpos

Atravessaram os trilhos, os dois.

Mesmo que em sentido contrário, cruzaram-se pelos tempos.

Desceram e subiram, correram as novidades.

Velhas máquinas enormes, brilhantes e barulhentas.

Mesmo sendo compacta a modernidade, os grandes enlatados atravessam a pobreza com a velocidade do presente.

Um presente tão intenso de gente e de existência.

Mas não saiamos dos dois, os que atravessam, antes que eles mesmos nos escapem.

Se atravessaram, o fizeram pelo mesmo motivo que eu.

Se chegaram a algum lugar, somos idênticos, pois também cheguei.

Entretanto, jamais fomos os mesmos.

Os trilhos ainda permanecem.

A grande máquina ruge, espreme e esmaga o corpo bruto de tantos outros.

Os corpos, esses mesmos, continuam.

Os dias são outros, mas seu conteúdo é atemporal.

E sendo atemporal, a marca da passagem deixa de ser lógica.

É sempre acúmulo de causas e consequências seletivas.

Eu escolhi observar porque sentir de olhos fechados sempre foi duro demais.

Enquanto isso, os dois homens me atravessam, tal como os trilhos.

Ao contrário, não os levo a lugar algum.

Mas nunca vou deixar de andar com eles.

Eles me atravessaram.

Fernando Cesar
Enviado por Fernando Cesar em 03/04/2016
Código do texto: T5594035
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