Meu pecado

Oh Deus de misericórdia,

vós que sois criador

e eu criatura

perdoai o meu pecado,

se pecadora sou,

um fastio de fartura:

estou farta das frases prontas,

ambulantes nesse mundo virtual.

Que é também real, Pai,

eis que nos amolece ou trinca os ossos,

embora em nenhum tempo e espaço

co-eternos convosco.

Dai-me Pai,

[vós que sois o próprio verbo,

a causa de todo movimento]

fome e sede do que não foi dito,

desejo de palavra nua,

úmida ainda de inconsistência,

desvestida de significado,

submersa ou à margem do mundo.

Porque bem sabeis, Pai,

que a permanência não é desse mundo.

O presente eterno é o vosso tempo

e a razão de todo ser, aqui,

é a tendência para o não existir.

Livrai-me, pois, Pai de bondade,

do mal dessa enfermidade,

uma peste em nossos tempos:

essa míngua de inspiração

que me retira o ar.

E concedei-me a graça

de não desperdiçar

a potencialidade nossa,

instaurada por vosso ato,

de, a partir da criatividade,

vivificar todos os dias

a vossa criação.