Deleite

Levei a vida inteira

contada até o presente instante

[de uma duração que me tira o fôlego]

se é que a contação da vida

exceda a narrativa

para compreender a causa

de tendo nascido no Curral do Rei

ser eu serva dos pastos andantes

que guardam reinado de estrelas

e brincam com vagalumes

fugazes de amanhecer.

Feito vaca de ordenha

grávida ruminante

do leite que vai a manteiga

densa e úmida

e ao queijo canastra

essa montanha de minas

recheada de goiabada.

Shakespeare nem se saberia

nesse romeu e julieta

motivo de gozo

ante a pergunta do nome

sempre aquém da poesia.

O que é que há, pois, num nome?

Aquilo a que se chama rosa

mesmo com outro nome

cheiraria igualmente bem

se não chamasse rosa

qual a rosa no grande sertão

sem o nome Guimarães ou a rosa

do Nome da Rosa, sem Eco

esse retorno de montanha.

Nasci num curral sem latifúndio

no fundo de um chão adubado

para a grama que alimenta o grama

peso da carne e do vento

que corre sem destino nas pastagens.

Eis porque vivo

como as vacas de Van Gogh

cismando em versos ao vento.

O vento é promessa de deleite.