poema sadomasoquista

a mão afaga,

amacia a carne, lambuza de vermelho;

dá a dimensão da realidade.

ela, executora, se agiganta,

esparra, infiltra-se na memória.

torna-se seu deus, o elo com o mundo das coisas.

tem o poder de tirar sua vida, mas

a matém em algias

mantém porque quer,

por seu próprio desejo, e de outros,

muitos outros;

que desejam em conjunto,

num esforço espartano de covergência.

e você, objeto de todo o desejo,

é pleno de graça, carne, osso, bílie,

sangue, muito sangue.

sangue e memória;

que não é mais sua

porque, centrada neles,

foge da sua cabeça;

vai fazer morada num sem-espaço,

staccato, latejante.

ele, o corrasco, dispõe do seu desejo,

só corpo não basta;

é preciso dessangrar as pulsões.

E você o deseja, idolatra,

porque ele te cativou,

é por você responsável;

pai; criador; dono; ponte; abismo; amante; disciplinador.

ele desfere o golpe

com a mão espalmada-- como fazem as mães aos bebês.

e seu corpo inteiro vibra,

se inunda;

o oco e fibroso se intumesce.

então você espera:

pelo próximo golpe?

a liberdade do cativeiro?

você não quer mais a liberdade,

parece-te com um parto,

deixar um mundo suspenso,

viscoso e quente

que te entra pelos orifícios,

e te torna lúbrico, não é uma escolha.

mesmo assim, você é expulso,

regorgitado pelo útero

se vê sozinho,

com feridas por sicatrizar.

e suas memórias?

ah, essas você terá de coligir.

terá de juntar os pedaços espatifados do seu desejo

e dizer: eu sou alguém!

mas quem?

sem um deus a te guiar,

sem a mão forte que espanca e afaga;

sen volumes que te preecham as partes ocas.

você quer chorar, e chora;

e se esvazia;

e fica oco;

e oco se liberta,

do cativeiro,

que te cativou

com amor e ódio.

Luiz Eduardo Ferreira
Enviado por Luiz Eduardo Ferreira em 21/06/2016
Reeditado em 01/06/2018
Código do texto: T5673691
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