à minha moda

eu que além andar para cima e para baixo de trem

por subúrbios cinzentos

tenho tempo ainda para Nouvelle Vague e aulas de francês

eu que nunca fiz mestrado e nunca tive casa minha

mas consigo desviar de todos buracos e pivetes armados de faca e fúria

eu que não sei o cheiro de lençóis caros

mas conheço o bar que vende cerveja a preços camaradas

e ótimos petiscos

eu que nunca fiz grandes viagens e ainda não venci na vida

(seja lá o que isso signifique)

mas sei do sentimento de dobrar a esquina em dias de vendaval

eu que não tenho fãs nem sou muito esforçada

mas sei que aquele sax-tenor estava chorando na música

em meu lugar

eu que não tenho carro nem sapatos novos

mas vivo com a bolsa cheia de poemas e fotografias

que vou colhendo pelas alamedas da vida

eu que nunca fui unanimidade

nem personagem central em rodas de bate-papo

menos ainda, sou uma incógnita brutal na cabeça de muita gente esperta

melhor assim, ser incompreensível, um ser incompreensível

eu que não me atrevo a declarar que você foi o melhor

pois não detenho o poder de travar o pino do relógio para que ele não

deixe vazar mais horas

eu que vou dançando rouco pelos salões vazios e sujos

quando todos já se foram inebriados

eu que conto centavos para te dar um último telefonema

desesperado

e depois volto para casa leve como

uma criança que acabara de nascer

só por ter ouvido o som indiferente da sua voz

Jan Morais
Enviado por Jan Morais em 05/10/2005
Reeditado em 18/07/2006
Código do texto: T56864