SER POETA

Nesse meu mundo pequeno

nada fui e pouco tive.

Restaram-me apenas versos.

Por favor, não o destruam.

Quis ser REI. Me destronaram.

Não me cortaram a cabeça

por ela ser menos útil

do que fora quando viva.

Que ser NOBRE. Me impediram.

Eu não tinha sangue azul.

Era de um vermelho aguado,

mas azul ele não era.

Além do mais eu não tinha

uma sonora linhagem.

Minha linhagem só fora

uma sucessão de furtos

para o pão de cada dia.

Coisinha de gente pobre

que causava nojo aos nobres,

esses inúteis fidalgos

que, por serem filhos de algo,

eram, em suma, uns bastardos

cujos ancestrais diziam

nunca ter roubado nada.

Apenas se associavam

aos cofres ricos do Estado

para amealhar fortuna.

Coisinha de gente nobre

que causava raiva aos pobres.

Maná caído do céu,

negado a quem tinha fome.

Os roubos foram cobertos,

mas até hoje sentimos

o cheiro nauseabundo

que essas riquezas exalam.

Quis ser o BOBO DA CORTE.

Consegui-o sem esforço.

Meu palco eram os castelos,

minha plateia a nobreza,

meu ideal fazer rir,

minha função ser palhaço,

meu pagamento os aplausos.

Não foi fácil ser palhaço

pela grande concorrência

existente no país.

Mas a nobreza faliu

e o rei perdeu sua coroa

e o bobo, perdendo o emprego,

foi posto no olho da rua.

Era preciso viver,

procurar um outro trabalho.

Quis ser MENESTREL, SEGREL

TROVADOR ou simples BARDO.

O nome não importava.

Fui de palácio em palácio,

trocando minha poesia

por um prato de comida.

Teci loas mentirosas

de feitos não realizados,

de amores jamais vividos

a uma nova nobreza,

nascida como eu do nada.

Fui de cidade em cidade

apresentei-me nas ruas,

nos adros das catedrais,

nas praças e nos mercados

tentando levar ao povo

com os meus versos quebrados

e ao som do meu alaúde,

um lampejo de esperança

da perdida liberdade,

cerceada pelos nobres.

Criei mitos, lendas,

fiz brotar heróis do nada

no afã de levar o povo

a lutar pelo direito

de uma justa liberdade

rumo a paz e ao progresso.

O mundo inteiro cresceu.

Somente a minha poesia

parou pequena no tempo,

incapaz de retratar

as conquistas do progresso,

muitas vezes conflitantes

com meus ideais e sonhos.

Sua voz era tão fraca,

sua extensão tão pequena,

sua mensagem tão fora

da realidade da vida

que chamá-la de poesia

era uma ofensa à cultura.

Não é fácil ser poeta.

Não basta que alinhavemos,

usando-se ou não as rimas,

versos privos de sentido

onde o amor é reduzido

à sua expressão banal

de prazer animalesco.

Ser poeta é muito mais.

É um agradecer a Deus

por mais um dia de vida,

pela robustez do corpo,

pela limpidez da mente,

pelo amor quase infinito

compartido entre dois seres

que se amam de verdade.

Ser poeta é ser DIVINO.

É colaborar com Deus

na reconstrução de um mundo,

aviltado em sua beleza

pelo egoísmo de uns poucos,

pela ganância de muitos,

pela maldade gratuita,

embutida na alma humana.

Ser poeta é ser HUMANO.

É ver nos seus semelhantes

uma extensão de si mesmo.

É ser um e, ao mesmo tempo,

ser a parcela de um todo.

É ser talvez uma voz,

discordante de outras vozes,

na defesa de direitos

geralmente espezinhado

por aqueles infelizes

que, se crendo quase deuses,

fazem da vida um inferno.

Ser poeta é ser POETA.

Um eterno sonhador

à procura da beleza.

Um amante apaixonado

que, no silêncio da noite

e na voz do seu violão,

implora, em versos rimados,

à Lua, sua confidente,

que transforme sua luz

numa mensagem de amor

à sua amada distante.

É um minerador ativo

que, no fundo da alma humana,

extrai o ouro escondido,

o purifica e o transforma

na joia mais rara e bela

que possa existir no mundo.

Ser poeta é sermos NÓS.

Eu você, qualquer pessoa

perfazendo em pensamento

caminhos já percorridos,

cheios de risos ou prantos

de vitórias ou derrotas

e tentando, pôr em versos,

todo e qualquer pensamento

que surja na nossa mente.

O Passado é uma faísca

que salta e logo se apaga

ao crepitar da fogueira.

Dura apenas um segundo.

Tudo mais vira Passado.

O Futuro é o imponderável.

O Futuro são Presentes

que terão algum sentido

se forem realizados.

O Futuro são sorrisos

que afloram em nossos lábios

a cada etapa vencida.

Só o Passado é realidade.

Nós somos o que já fomos.

Uma vida sem Passado

não é vida é passatempo

e o Passado só floresce

se for gerado no amor.

O Passado são caquinhos

diferentes, coloridos,

largados pelo caminho

à espera que o recolhamos

e, com eles nós montemos

o mosaico de uma vida.

Ser poeta é ser EU MESMO,

com os acertos e erros

naturais no ser humano.

Nem um deus nem um demônio.

Tão somente um ser humano

em busca da vida plena.

Um cidadão que trabalha

pelo pão de cada dia,

hoje muito mais difícil

do que o foi quando criança.

Um menino que, ao crescer,

teceu milhares de sonhos

infelizmente desfeitos

pelas agruras da vida.

Um jovem que, quando jovem,

não aceitava injustiças

contra si e contra os outros.

Um jovem passado em anos,

que se opõe aos preconceitos,

às belas frases de efeito,

às promessas mentirosas

e ao desprezo natural

dos velhos como um todo.

Um jovem, já não tão jovem,

que, no ocaso de uma vida,

vê com saudade morrerem

seus ideais e seus sonhos.

Mas valeu lutar por eles

e disso me orgulho tanto.

João Roberto
Enviado por João Roberto em 11/09/2016
Código do texto: T5757903
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